Para o Minutos Corporativos de hoje, o bate-papo é com Liana Montemor, Diretora Técnica e Estratégica em Cold Chain do Grupo Polar, empresa especializada em soluções inovadoras para o segmento.
O assunto é a cadeia logística do frio e suas especificidades. Nesse episódio vamos falar sobre como a tecnologia e soluções logísticas customizadas podem fazer a diferença nesse setor.
Intermodal: Há quanto tempo você atua nessa área da logística fria e quais são as experiências mais marcantes da sua trajetória?
Liana Montemor: “Eu trabalho no Grupo Polar há 15 anos. Eu sou farmacêutica, tenho pós-graduação em cosmetologia, nunca usei isso, a não ser para comprar shampoo como ninguém [risos].
Faz 15 anos que eu estou a frente dos trabalhos relacionados à Cold Chain, então a Polar se tornou uma grande referência neste trabalho que fizemos com muito conhecimento, internacional inclusive, com muitas viagens para descobrir o que estava sendo feito lá fora para que a gente pudesse aplicar aqui no Brasil, então sou muito grata ao Grupo Polar pela oportunidade e confiança.
E obviamente teve muito empenho da minha parte também para chegarmos a ser referência nesse tema no país hoje, e até em carreira internacional hoje que estamos traçando hoje, pela IATA, como validadora do CEIV Pharma. Eu e a Paula Gomes que trabalha comigo no Grupo Polar somos as únicas validadoras desta certificação no Brasil hoje, então é muito legal.”
Intermodal: Sabemos que o transporte e o armazenamento de produtos refrigerados possuem características próprias que demandam maior atenção. Quais são os principais desafios desta área?
Liana Montemor: “O desafio na cadeia logística de medicamentos controlados é grande. Quando a gente fala sobre vacina, produtos que requerem produtos de temperatura de 2 a 8 graus, esses dias eu vi uma frase que era assim ‘imagina você transportar uma garrafa de água no deserto sem deixar aquecer e sem deixar congelar’. Esse é o nosso desafio o tempo todo, e eu acho que essa frase traduz bastante o desafio que a gente enfrenta.
Quando a gente pensa em logística, falar das dimensões do Brasil e das nossas dificuldades aqui é chover no molhado, porque todo mundo sabe que não temos estações do ano definidas, temos uma tropicalidade que só prejudica toda essa distribuição, o tamanho do país.
Mas existe muito a ser melhorado através de planos de contingência, de processos que sejam estabelecidos com procedimentos visando as boas práticas, com treinamento.
Então qual sensação eu tive na pandemia, que as pessoas descobriram a cadeia do frio, parece que chegou agora, junto com as vacinas. E não, a cadeia do frio existe no país desde que existe o transporte de qualquer medicamento com temperatura controlada.
Então um lado que eu vejo como positivo da pandemia foi trazer aos olhos tanto das entidades de classe quanto do governo, quanto das empresas logísticas que estão atuando nisso, como também da população final.
Como é um tema que é a bola da vez, todo mundo está olhando para esse cenário, mas isso sempre existiu. A gente vê que uma criança foi capaz de desligar a energia de um posto de saúde, e muitas doses de vacina contra a Covid foram perdidos, quer dizer, um processo tão simples em que até uma criança é capaz de intervir.
Onde está o plano de contingência para que isso não aconteça? Nós estamos atendendo outros operadores logísticos do país em cidades específicas que estão fazendo a distribuição da vacina da Covid, e tem muitos postos de saúde que não tem geladeira para fazer essa armazenagem, então como isso é feito, quanto de estrutura a gente precisa melhorar?
É absurdo quando você começa a enxergar. Então ao mesmo tempo que você tem a população ribeirinha que vai ser vacinada, você vê na televisão o enfermeiro chegando em um barquinho para aplicar a vacina, a nossa preocupação por trás disso sempre é a temperatura da vacina, a temperatura de manutenção do medicamento, seja ele qual for.
É muito legal a gente ver o quanto a sociedade está se voltando para esse tema, está percebendo, mas quanto mais a gente vê mais a gente percebe que o que a gente mais temia é verdade. A falta de plano de contingência, de preparo, de conhecimento.
E tem uma coisa importante: obviamente que em uma pandemia o perfeito é inimigo do bom, estamos apagando fogo o tempo todo, então existem mecanismos que são aplicados para poder melhorar essa situação, pode trazer uma solução efetiva sem todas as práticas que seriam essencialmente necessárias na correção de qualquer problema, então estamos muito nesse empenho, de ajudar as empresas a tornar realidade o que é uma boa prática e o que minimiza os problemas na logística.
Porque no fim do dia o que a gente quer é a população imunizada, e não apenas vacinada. Imunizar significa aplicar o medicamento que traga a eficiência necessária que ele se propõe, e não simplesmente vacinar.”
Intermodal: Quais são as principais dificuldades neste aspecto da vacina?
Liana Montemor: “São várias, porque do mesmo jeito que temos esse problema dos postos que não tem como receber essa vacina, estamos criando formas de fazer armazenagem sem ter necessariamente uma geladeira, então esse é um grande desafio. Garantir que se um posto tem uma geladeira, que ela esteja qualificada e mantendo a temperatura.
Nosso grande desafio é sempre manter a temperatura, porque são muitos elos dentro dessa cadeia, e em cada um desses elos existe uma fragilidade e uma possibilidade desse rompimento.
Quando eu rompo um elo, significa que eu estou expondo essa vacina a uma temperatura diferente da que ela precisa ficar armazenada e ser transportada, e com isso eu posso causar uma ineficiência desse medicamento.
Então eu posso ter uma vacina que não esteja mais fazendo seu papel no organismo, ela pode ter perdido sua estrutura e em função disso não trazer a imunização necessária, então desde que a vacina é produzida até ser aplicada em nossos braços, imagina quando essa vacina vai chegar até a população ribeirinha, até uma aldeia indígena, em cidades em que não temos uma estrutura como a dos grandes centros.
Então temos que manter em todos os elos a vacina na temperatura ideal, e esse é o nosso grande desafio. E não só através dos mecanismos que a gente utiliza para o transporte, mas também do mecanismo que a gente utiliza para o armazenamento, que é a geladeira, a câmara fria.
A gente vê muitas fotos na mídia de uma caixa de isopor fechada dentro de uma câmara fria, então você começa a pensar um monte de coisa, será que naquela caixa tem gelo? Pois se tiver maturado, a gente vai ter congelado dessa vacina.
Então a gente não precisa pensar apenas em se passou de 8 graus, como no caso da Coronavac, mas o quanto também desce de 2 graus e tem o congelamento. Então é muito desafiador de manter.”
Intermodal: Como podemos evitar as consequências do desperdício?
Liana Montemor: “Sobre o desperdício a gente entende que é quando tem esse problema na cadeia do frio e temos a ineficiência. Infelizmente a vacina não é como um tomate que está podre na geladeira e você consegue enxergar. Quando você pega um frasco de vacina que não está congelado, que ultrapassou a temperatura, ou a vacina desceu abaixo de 2 graus e depois você pega esse frasco, não é visual, você não consegue enxergar, não é como um pão embolorado.
Então o ideal é a gente aplicar as boas práticas de armazenagem e transporte. Então o que é o mundo ideal? A gente teve no dia 16 de março a implementação da RDC 430 que dispõe sobre as boas práticas para armazenagem, distribuição e transporte de medicamentos, e no artigo 84 desta legislação existe a preconização do monitoramento da temperatura dos produtos termolábeis.
Termolábil eu estou falando de qualquer produto que tenha sua temperatura máxima igual ou inferior a 8 graus, e a vacina está dentro desse grupo. E é uma decisão muito sábia para que a gente possa monitorar a vacina, então a gente colocaria data loggers dentro dessas caixas para avaliar se durante todo seu trânsito e tempo de transporte ela manteve a temperatura.
Essa é uma das formas da gente garantir a eficácia dessa vacina, e garantir que não haja esse desperdício por conta de uma temperatura errada. Então isso é um processo que hoje, pelo que estamos acompanhando, não está acontecendo, as vacinas não estão sendo transportadas com os monitores de temperatura. Mas em uma situação pandêmica, em que fomos pegos de surpresa, isso não é sempre possível. Mas isso não é um apelo para a população não se vacinar, muito pelo contrário.
Tem um fato interessante que eu queria contar. Na semana passada eu recebi a ligação de uma mãe que tem uma criança tomando hormônio do crescimento, e ela estava muito preocupada com a armazenagem do produto. Então ela me disse ‘eu tenho uma geladeira dentro da minha casa, mas moro numa área onde vira e mexe a energia acaba’, e sabemos que em tempos de chuva tem muita queda de energia. E ela disse ‘estou muito preocupada, eu tenho guarda compartilhada com o pai, como eu transporto este hormônio do crescimento?’.
E eu disse ‘mãe, você é maravilhosa, porque você está tendo insights pertinentes à cadeia do frio, sendo uma consumidora final, a última milha’. E eu falei que ia ajudar, e inclusive vamos fazer um webinar para essas mães que transportam medicamentos e têm essa preocupação. Porque essa é uma preocupação não apenas de quem fabrica o medicamento, mas do operador logístico, do transportador, do distribuidor, do posto de saúde, é uma preocupação que tem que existir até a última milha, que é essa mãe que aplica o medicamento nessa criança.
Dentro do nosso e-commerce nós temos diversas soluções para essas mães e para o paciente final transportar os medicamentos. No passado a gente recebia muitas ligações de consumidores finais relatando que iam viajar de avião, e como faziam com o medicamento, e sempre achei fascinante isso porque era uma preocupação de quem está no final da cadeia.
Então nós criamos as bolsas térmicas para trazer esse tipo de recurso, porque de nada adianta eu ter todo o cuidado dentro da indústria, do operador, do distribuidor e do transporte, e deixar uma mãe, pai, avô ou avó deixar esse medicamento dentro do carro em dias quentes. Mesmo que for em uma caixa de isopor, o equilíbrio de quanto gelo eu coloco, isso faz toda a diferença, unir a cadeia com o consumidor final.”
Intermodal: A tecnologia pode ser uma aliada, não apenas no caso das vacinas, mas em toda a cadeia do frio?
Liana Montemor: “Com certeza. Quando a gente fala de novo da RDC 430, que foi muito bem colocada pela Anvisa com a proposta de manter a qualidade de vida da população final, e quando falamos da tecnologia temos data loggers e sistemas que nos dão recursos muito melhores, que é o sistema de monitoramento online.
A gente fala da indústria 4.0, e agora estamos falando da cadeia do frio 4.0, que é quando a gente tem por exemplo sistemas de monitoramento online dentro da caixa e você consegue tomar ações para evitar a exposição de temperatura fora da faixa recomendada no registro do produto.
Nós estamos fazendo a operação de uma das prefeituras de uma cidade mineira para a distribuição da vacina, e eles não tem geladeira dentro do posto, e estávamos fazendo um plano de contingência que é manter esses sensores em que você consegue ver pelo monitoramento online, a farmacêutica tá dentro da mesa dela e consegue ver no computador o que está acontecendo dentro da vacina que está armazenada dentro de uma caixa térmica seguindo todas as recomendações.
Então além de ver a geolocalização, a gente consegue ver a temperatura, e não só na vacina, mas em produtos que necessitam de controle de umidade, vibração, abertura de portas, se alguém abriu a caixa da vacina, se dentro de um caminhão ela foi violada ou manipulada, então esse é um recurso que traz o diferencial da tomada de ação antes do problema acontecer.
Você consegue se antecipar e intervir, tomando uma ação efetiva para evitar a perda do medicamento, então a tecnologia nos auxilia demais nessa parte.”
Intermodal: Pode nos apontar as principais inovações do mercado dentro da cadeia fria hoje?
Liana Montemor: “Uma inovação são esses equipamentos com sistema de monitoramento online que atende às exigências da RDC 430, o que é uma grande vantagem. É um sistema computadorizado validável, que atende também outras legislações como por exemplo a CFR 21 parte 11, que é do FDA, então a gente tem uma seguridade de dados muito grande.
E para cold chain em si temos outras tecnologias que foram favoráveis. Então quando temos que manter a temperatura de um produto em uma faixa muito estreita de temperatura nós temos também a nova tecnologia dos PCMs, materiais de mudança de fase, que são elementos refrigerantes que produzem uma alteração no seu ponto de fusão.
O ponto de fusão da água é 0 grau, e com essa tecnologia eu consigo adicionar aditivos e regular o ponto de fusão que eu quero, então eu proporciono a estabilidade térmica da embalagem de forma muito superior.
Então um produto de 15 a 25 graus, é uma faixa muito difícil. Então através desses gelos, que são materiais de mudança de fase, eu tenho uma regulação desse ponto de fusão e uma estabilidade muito melhor dentro da faixa preconizada por um tempo muito maior.
Então até hoje nós conseguimos fazer isso com elementos refrigerantes mais simples do que esses através de mecanismos como tempo de ambientação do gelo, incremento dessa caixa com elementos auxiliares, como placas de isopor e mantas térmicas, e são modelos também eficientes, mas esse modelo PCM tem uma garantia melhor.
E outras partes que podem ser aplicadas como diferentes materiais de embalagem e isolamento térmico, que são tecnologias mais avançadas para poder trazer um desempenho melhor das caixas térmicas, então essas tecnologias isolantes junto com esse gelo tem um potencial melhor para estabilizar a temperatura.
Tecnologia é o que não falta, e o Grupo Polar está sempre à frente para entender e trazer o que é melhor para o mercado.”
Intermodal: Se você pudesse conversar com alguém no seu âmbito pessoal ou profissional, com quem você falaria?
Liana Montemor: “Primeiro eu gostaria de conversar com Einstein [risos]. Gostaria de fazer perguntas muito específicas em relação à física e a distribuição de temperatura dentro dessa cadeia, porque muitas vezes nós que estamos na prática lidando e estudando isso, não chegamos em respostas. É um processo muito específico em que temos pessoas com muito conhecimento mas poucas pessoas com esse conhecimento.
E tem uma pessoa que admiro muito, e já li a biografia dela, e vi o filme e acompanhei a trajetória, e acho ela um exemplo, que é a Michelle Obama. Ela é uma mulher negra que teve que vencer muito preconceito para estar ao lado do marido naquela posição, ela não ficou na sombra dele, trabalhou muito em causas humanitárias e sociais, e fez a diferença. E eu admiro muito quem faz a diferença.
A vida é um palco. Você pode subir no palco e fazer a diferença ou ficar sentado na plateia. E não há mal nenhum em sentar na plateia, que fique claro. Mas se você almeja e quer ter um diferencial, se você luta por causas, subir no palco faz toda a diferença. E a partir do momento que você tem entendimento da sua auto responsabilidade de atuação da vida, isso te traz muitas possibilidades.”