Era inevitável que inicialmente, assim que a pandemia surgiu e as providências fortalecendo o isolamento social fossem instaladas, com impactos diretos em todas as atividades econômicas, as empresas tivessem como única preocupação a sua própria sobrevivência. Mas é essencial, agora, planejar o futuro e repensar os negócios (1).
Temas voltados à governança, à sustentabilidade, ao meio ambiente e à prevenção de riscos, já faziam parte das agendas de todos, assim como as discussões a respeito das consequências – positivas e negativas - que o avanço tecnológico possibilitava. Mas a pandemia fez com que essas discussões recebessem a classificação de prioridade máxima. Quais os impactos para a sociedade como um todo? No direito, na economia ou na política? O que é provisório e o que será permanente?
Não há dúvidas, as cadeias produtivas, as relações comerciais, as formas de contratação etc., serão alteradas e obrigarão os empresários e analisarem, com base em perspectivas futuras, ainda bastante desconhecidas e incertas, como continuar atendendo seus clientes com qualidade e de forma competitiva e ainda atender satisfatoriamente os “stakeholders”.
Já há um conjunto enorme de questões que dizem respeito, por exemplo, ao comportamento do mercado, da oferta e da demanda, naquilo que se convencionou chamar de “o novo normal”. Tudo precisará ser analisado à luz dos novos acontecimentos e impactos correspondentes. Estarão os consumidores, por exemplo, querendo saber se a fabricação dos produtos adquiridos contribui com a natureza e o meio ambiente? É o momento de se adquirir produtos mais naturais? E os usuários do transporte coletivo, estarão dispostos a enfrentar as aglomerações de sempre? Será conveniente, nos deslocamentos casa/trabalho/casa, utilizar mais modais de transporte?
Leia mais: Lucratividade na logística: mantendo a saúde financeira e otimizando rendimentos
Muitas pesquisas, principalmente com relação à Europa, indicam que muitas cidades estão elaborando planos de mobilidade nos quais são privilegiadas as caminhadas e o ciclismo. Muitas dessas cidades já estão transformando ruas que eram só para automóveis, em ruas de tráfego exclusivo para pedestres e ciclistas. E não só para o período de pandemia. Diversas outras pesquisas tem indicado que grande parte dos consumidores, no ápice da pandemia, direcionou suas compras para produtos ‘mais essenciais’ e que, em face das circunstâncias, manterá a mesma postura no futuro. Esses novos sinais precisam ser compreendidos e devidamente analisados.
Também as questões relativas à segurança e às condições de trabalho dos empregados precisarão ser colocadas à mesa e discutidas. Estão preparadas as empresas para uma possível “segunda onda” ou no aumento da frequência de pandemias, inclusive com novas necessidades de isolamento social?
As dúvidas e as incertezas são imensas, sendo fundamental – por mais incerto que esteja o futuro - vislumbrar e desenhar cenários, única forma a se permitir a elaboração de estratégias empresariais, claras, transparentes e que facilitem a adoção de providências ágeis e eficazes. O planejamento, que já era importante antes, agora é fundamental.
No setor logístico não é diferente. Guardadas as devidas proporções, se as recomendações gerais são as mesmas, providências específicas precisarão ser tomadas, notadamente com relação às grandes metrópoles, nas quais temas como mobilidade e combate à poluição, por exemplo, já estão postos.
Sem dúvida, o avanço e o desenvolvimento da tecnologia voltada à comunicação e à informação, criou facilidades extraordinárias e permitiu ao consumidor, além de acesso simplificado às compras via “e-commerce”, tornar-se ‘digital’, mais bem informado, objetivo, racional e extremamente exigente quanto aos serviços e produtos a serem adquiridos. Saber exatamente o que quer, que preço pagar, em que prazo receber etc. já são característica da grande maioria dos consumidores atuais. O mesmo ocorrendo com as empresas, pois práticas anteriormente circunscritas a um número limitado de empresas mais “avançadas”, passaram a ser de domínio de quase todo o mercado.
Portanto, sem deixar de realizar as atividades já consagradas da logística (controle de estoques, gestão de armazém, administração do giro de estoque, otimização operacional, racionalização de rotas, administração otimizada de caminhoneiros autônomos, segurança e rapidez no transporte, maior eficiência no rastreamento da frota, melhor utilização dos recursos disponíveis, eficaz programa de gerenciamento de riscos e cobertura de seguro, eficiente sistema de informações e controle, por exemplo), agora também é momento de pensar e agir estrategicamente.
Se já era necessário saber identificar os possíveis momentos de ruptura, agora com a probabilidade de serem mais frequentes, transformou-se em atividade primordial do profissional de logística, pois a quebra em qualquer um dos elos que compõem a cadeia de abastecimento, além dos prejuízos já conhecidos, será muito mais difícil de ‘consertar’. A instalação de operações mais ‘resilientes’ se faz necessária.
Há inúmeros estudos propondo ações para que se diminuam os impactos (2) da pandemia nas atividades logísticas. Limito-me a citar alguns que entendo como principais: a) sem que se comprometa o tempo da ação, obter diagnósticos realistas; b) ter todas as informações possíveis para poder projetar demandas, mais do que possíveis, prováveis; c) conhecer profundamente a cadeia logística na qual a empresa está inserida, bem como os demais atores da mesma; d) através de processos transparentes, envolver o empregados, inclusive terceiros, nos processos de estudo e de proposta de soluções; e) desenvolver e instalar programas de gerenciamento de riscos e de contração de seguros compatíveis, e sempre sob uma ótica estratégica e abrangente; f) desenhar planos de emergência; g) avaliar corretamente a capacidade operacional vis-à-vis as exigências e necessidades dos clientes e a infraestrutura disponível; h) avaliar a capacidade financeira da empresa, de forma a compatibilizá-la às necessidades operacionais e empresariais previstas (3).
À luz dos novos acontecimentos, das circunstâncias atuais e de futuro, algumas conhecidas e aqui relatadas, e outras nem tanto, as empresas precisarão reelaborar seus planos de negócios e contemplar mais de um cenário. Nesse particular, instalar o planejamento estratégico torna-se mandatório, pois estabelecer uma direção, mesmo que com bastante flexibilidade, é essencial. Ao se repensar e redesenhar novas cadeias de suprimentos, é fundamental identificar e avaliar riscos e buscar soluções antecipadas, principalmente neste momento de muitas, mas muitas incertezas. Manter equipes especializadas para acompanhamento e controle, de forma tal em que se possa identificar, com rapidez, falhas possíveis e suas respectivas soluções, e elaborar programas de melhoria contínua consistentes e realistas, também parece ser fundamental.
Se ao governo cabe estabelecer regras para melhoraria do funcionamento da logística, bem como para melhoraria e expansão da infraestrutura logística, caberá aos executivos e profissionais do setor, além de tudo o que aqui já foi escrito, ter postura mais crítica, pensar e agir mais estrategicamente, capacitar-se para trabalhar de qualquer parte do mundo, em ambientes cada vez mais digitais, e adquirir habilidades que os permitam vislumbrar cenários futuros, de maior pressão e mudanças constantes. Compreender a logística, até pela sua própria essência, como instrumento estratégico de fundamental importância é essencial. Principalmente nestes tempos!
- Webinar da McKinsey, de 08/06/20, com a participação de Brian Gregg e Kelly Ungerman, além de discutir a respeito de formas de recuperação rápida das empresas, como será possível “acelerar o crescimento e ganhar agilidade” nas operações pós-pandemia. Conclusão importante: “as empresas devem considerar fazer um esforço deliberado para olhar além dos desafios e questões imediatas que a crise cria. Isso significa não apenas planejar o período de recuperação que provavelmente começará quando os negócios reabrirem, os consumidores retomarão mais de suas atividades habituais e exigirão retornos, mas também se envolverão no planejamento de longo prazo para o "próximo normal". Isso poderá, inclusive, obrigar que algumas empresas criem equipes dedicadas de planejamento.
- Pesquisa da FGV/IBRE de abril de 2020, a respeito dos efeitos da pandemia na economia brasileira, dá conta que os impactos são positivos e negativos, dependendo do segmento econômico analisado. 19% dos supermercados, 16,2% da indústria de papel e celulose, 8,5% das atividades voltadas a obras de instalação e 6,3% do serviços de audiovisuais, de edição e agentes de notícias, tiveram impactos considerados positivos. Enquanto isso, 100% da construção voltada às obras de acabamento, 87,2% de indústria de vestuário, 75% dos serviços de alojamento e 64,9% do comércio de tecidos, vestuário e calçados, tiveram impactos negativos. A pesquisa da FGV/IBRE também perguntou a respeito da expectativa de tempo no qual haverá impactos diretos oriundos da pandemia e, pós-crise, qual o tempo para se recuperar: na indústria, a média foi de 4,6 meses e 5,3 meses respectivamente; no setor de serviços, 4,7 e 6,1; no comércio, 4,1 e 6,3; e no setor de construção, 4 meses e 5,8 meses. Já, para o segmento de construção de edifícios residenciais, as respostas foram: 4,7 meses e 6,5 meses respectivamente; no comércio de tecidos, vestuário e calçados, 4,7 e 6,5; no setor de outros equipamentos de transporte, 6,8 e 7,2; e nos serviços imobiliários, 8 e 8,5 meses.
- Pesquisa da CNI, com 734 indústrias de pequeno, médio e grande porte em todo o país, divulgada dia 30 pp. dão conta que 73% das empresas pesquisadas tem dificuldades para manter seus pagamentos de rotina, 42% tem muita dificuldade para manter as contas em dia, sendo que só 3% estão em condições de fazer pagamentos. 61% já estão procurando linhas de financiamento de capital de giro, 78% tem dificuldades de acesso a isso e 45% não tem qualquer acesso. Importante: 58% já adotaram o trabalho domiciliar, 47% deram férias a parte dos empregados, 46% afastaram empregados com sintomas, 35% recorreram ao uso do banco de horas, 21% separou equipes por turnos menores, 19% deram férias coletivas a todos e 15% demitiram empregados;
*Paulo Roberto Guedes, sócio-diretor da Ripran Consultoria e conselheiro da ABOL – Associação Brasileira de Operadores Logísticos.